quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O meu filho do meio pediu-me um livro do plano de leitura para ler, pois tem que apresentar uma obra em fevereiro na aula de português,  olhei para a estante e peguei em Miguel Torga e nos novos contos da montanha.

Ele sentou-se no sofá e leu o prefácio, quando ele acabou de ler o prefácio tirei-lhe o livro e dei-lhe o Mark Twain tamanhas foram as dúvidas e as dificuldades com as palavras de Miguel Torga. 

Mas nós chegamos lá, nem que eu tenha de facto fazer uma leitura acompanhada com ele, porque cá em casa estamos de volta dos clássicos da literatura.

E deixo o prefácio para recordar, reler ou ler dependendo de cada um:

"Escrevo-te da Montanha, do sítio onde medram as raízes deste livro. Vim ver a sepultura do Alma-Grande e percor- rer a via-sacra da Mariana. Encontrei tudo como deixei o ano passado, quando da primeira edição destas aventuras.

Apenas vi mais fome, mais ignorância e mais desespero. Corre por estes montes um vento desolador de miséria que não deixa florir as urzes nem pastar os rebanhos. O social juntou-se ao natural, e a lei anda de mãos dadas com o suão a acabar de secar os olhos e as fontes. Cresta- dos e encarquilhados, os rostos dos velhos parecem per- gaminhos milenários onde uma pena cruel traçou fundas e trágicas legendas. Na cara lisa dos novos pouco mais espe- rança há. Ora eu sou escritor, como sabes. Poeta, prosador, é na letra redonda que têm descanso as minhas angús- tias. Mas nem tudo se imprime. Ao lado do soneto ou do romance que a máquina estampa, fica na alma do artista a sua condição de homem gregário. E foi por isso que fiz aqui uma promessa que te transmito: que estava certo de que tu, habitante dos nateiros da planície, terias em breve compreensão e amor pela sorte áspera destes teus irmãos. Que um dia virias ao encontro da aridez e da tristeza con- tidas nas suas fragas, não como leitor do pitoresco ou do estranho, mas como sensível criatura tocada pela magia da arte e chamada pelos imperativos da vida. Prometi isso porque me senti humilhado com tanto surro e com tanta lazeira, e envergonhado de representar o ingrato papel de cronista de um mundo que nem me pode ler. Tomei o compromisso em teu nome, o que quer dizer em nome da própria consciência colectiva. Na tua ideia, o que escrevo, como por exemplo estas histórias, é para te regalar e, se possível for, comover. Mas quero que saibas que ousei par- tir desse regalo e dessa comoção para te responsabilizar na salvação da casa que, por arder, te deslumbra os sentidos.

Teu

Miguel Torga"


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